16 de out. de 2011

A conveniência do armário

Vamos começar a postagem de hoje com uma afirmação e uma discussão, ambas polêmicas: Sou gay, e nunca senti necessidade de me auto-afirmar pra minha família, em nenhum aspecto, seja sendo homossexual ou heterossexual. Vamos e convenhamos; quem chega em casa e diz “pai, mãe, sou heterossexual”? Pra mim, quanto a ser homossexual ou bissexual segue os mesmos critérios, é algo que não diz respeito a outras pessoas. Atenção, eu disse pra mim!

O que não quer dizer que isso sirva pra outros, cada um sabe a dor e as delícias de ser o que é, já disse Caetano Veloso na música “o dom de iludir”, e não pretendo entrar nesse território cinzento de sexualidade, pelo menos não hoje.

Costumamos dizer a torto e a direito que pessoas não assumidas estão “no armário”, mas o que isso significa realmente? Que as pessoas estão a caminho de Nárnia? Não, definitivamente não. Há algum tempo, dizia-se que as pessoas “dentro do armário” estavam “em cima do muro”, e as duas imagens são fortes, expressivas, e podem estar um tanto quanto incorretas.

Vejamos o panorama geral, tanto a expressão “estar no armário” e “estar em cima do muro” tratam de forma semelhante a indecisão, a falta de posicionamento diante de um determinado evento no mundo real. Em relação à política você é de esquerda ou direita? “–Ahn, tento não pensar nisso”, ora, isso não é estar no armário? Não é se abster de tomar um posicionamento?

A cada instante temos mais e mais abstenções. Pessoas que não votam, pessoas que desistem de ações mesmo a antes de tentarem; pessoas que se dão por satisfeitas com o conforto que encontram dentro do armário, afinal, é muito mais fácil e muito mais cômodo levar a vida na flauta do que encarar mundos e fundos de peito aberto.

Quem queremos ser na história de nossas vidas? Protagonistas ou figurantes? Protagonistas estão sempre sob os holofotes, recebendo críticas a todo instante, e nem sempre das mais amistosas ou agradáveis de receber. Por outro lado, Figurantes raramente são notados, passam a trama inteira ao fundo, em geral com uma roupa sem-graça e um cabelo sofrido. São em geral a amiga encalhada, o amigo gay pintosa, o machão rústico que é amigo do protagonista, ou invariavelmente aquele que morre um pouco antes do final. E que lembranças ficam? O que o figurante fez? Quais foram suas realizações? Passou a trama inteira na sombra de alguém, em cima do muro, dentro do armário...

Que o armário é confortável ninguém pode negar, mas permanecer muito tempo dentro dele, com as portas fechadas, porque cedo ou tarde começam a aparecer as traças, o mofo, o mau-cheiro. Mesmo os mais reservados precisam de espaço, precisam de sol, precisam descer do muro e encarar as calçadas e ruas, numa sucessão de dias que às vezes são melhores ou piores do que os anteriores. É a grande mágica da vida, a imprevisibilidade do futuro, e que graças ao potencial humano, vamos encarando.

E só pra terminar, um trecho conhecidíssimo de um texto que se aplica perfeitamente aqui, com meus votos de que possamos sair da conveniência de nossos armários e ganhar o mundo.

“Na primeira noite eles se aproximam e roubam uma flor do nosso jardim. E não dizemos nada. Na segunda noite, já não se escondem: pisam as flores, matam nosso cão, e não dizemos nada. Até que um dia, o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a luz, e, conhecendo nosso medo, arranca-nos a voz da garganta. E já não podemos dizer nada"

Eduardo Alves da Costa

11 de out. de 2011

Despedida

Se tivesse uma mesa entre os dois, sobre ela estaria uma caneca com um resto de café, esquecido ainda pela manhã, e um cinzeiro repleto de guimbas de cigarro mal apagadas. Marcas de garrafas de cervejas manchariam a madeira, mas não havia nada entre os dois, e ao mesmo tempo, havia tudo.

‎-Eu sempre te dei liberdade
-Mas eu queria que vc me cobrasse notícias do meu dia, que mostrasse que se importava
-Eu sempre mostrei que gostava de estar com você
-Mas nunca deixou que meus sonhos florescerem, por conta disso eu estou indo. Preciso de sonhos como você precisa de ar, preciso de doces ilusões pra se oporem aos meus dias cheios, preciso de fantasias com sabores ásperos e cheiros quentes, que sejam úmidas e completamente secas, preciso da eterna antítese de sonhar e estar acordada, e isso você não pode entender....
-Eu não estou entendendo o que você quer dizer...
-Tá vendo? É o principal motivo.
-Você disse que me amava
-E amei, não creio que ainda ame
-Você disse que seria pra sempre
-Eu acreditei que seria pra sempre, pelo visto estava enganada nisso também
-E como ficamos? Não quero te perder...
-Não se perde aquilo que não se tem
-Então foi tudo uma mentira?
-Foram mentiras e verdades, formando nossa realidade por um tempo.
-E de novo você fala difícil
-Porque eu nunca fui boa pra falar, sempre fui boa em sentir, e ficar quieta
-Mas eu sempre quis saber o que estava se passando com você.
-O que não quer dizer que você deveria saber, ou que seria capaz de entender o que se passa nessa minha cabeça
-Na minha cabeça também passam muitas coisas
-Eu nem por um minuto quero fingir que entendo, ou que quero entender. Eu estou partindo.
-Já fez as malas? Precisa de ajuda pra carregar?
-Vou deixá-las aqui, depois alguém virá buscar, levarei só o peso do meu coração e da minha alma; é pesado, mas eu agüento, me fiz forte. Não, não pense que eu estou dizendo que você é fraco; eu sabia exatamente como você era, e foi isso que fez com que eu ficasse com você. Só que agora não é mais suficiente pra mim.
-Não sei como você consegue ser tão fria, dizer isso tudo assim, como se não tivesse valor ou importância.
-Isso é novidade, porque em todo esse tempo juntos sempre coletei os títulos de emotiva, chorona, sofredora, musa de novela mexicana, é bom variar um pouco, é bom não deixar transparecer cada lágrima sangrenta de dentro do meu peito
-Como sempre, você mudando tudo o que eu digo a seu favor, como se você fosse a única ferida. Você está me deixando, porra!
-E você continua gritando comigo, como fez em cada discussão, eu simplesmente perdi a capacidade de me importar depois da sétima ou oitava vez que gritou comigo; decidi que não ia mais esperar você dormir depois de montar em mim pra me lavar e chorar em silêncio no banheiro.
-Sua puta!
-Puta não, ingênua, dediquei muito de mim a você, e agora vou me cuidar de mim. Desejo o melhor do mundo a você, e não me importa mais se você desejar o meu pior; a partir do momento que eu cruzar a soleira daquela porta, será um novo momento pra mim, o momento em que eu tomo as rédeas da minha vida e faço do mundo tudo aquilo que eu quiser que ele seja.


Silêncio por alguns minutos, e ela notou o desconforto dele com aquilo tudo, com uma situação nova com a qual ele não sabia lidar.


-Não precisa me acompanhar, eu sei o caminho, sempre soube, só nunca tive forças pra ir sozinha. Muito obrigado por tudo, desculpe por fazer você chorar.
-Não podemos nem mesmo ser amigos?
-Não
-Mas assim? Seco?
-Não podemos ser amigos porque nunca fomos amigos, e cada vez que você me olhasse, ia pensar que poderíamos voltar e ter alguma coisa, e cada vez que eu te olhasse eu ia lembrar cada um dos motivos que me trouxeram ao dia de hoje. Por isso não podemos ser amigos, por isso você segue seu rumo e eu sigo o meu, e se um dia nos encontrarmos de novo, você vai me olhar com ódio e ressentimento, e eu vou olhar pra você com uma vaga lembrança

E ela encheu o pulmão de ar e moveu os pequenos pés, um de cada vez, nas sapatilhas surradas em direção à porta. A maçaneta girou acompanhada por um gemido de dor das dobradiças. O mundo lá fora não era muito mais amplo do que um corredor e um lance de escada, que os pés dela percorreram devagar. Uma brisa leve vazava por debaixo da porta do condomínio e ela abriu um pequeno sorriso por estar do lado de fora. Estava um belo dia pra uma pizza.